Tuesday, March 22, 2011

ainda sobre a saudade...

Saudade - O que será... não sei... procurei sabê-lo
em dicionários antigos e poeirentos
e noutros livros onde não achei o sentido
desta doce palavra de perfis ambíguos.

Dizem que azuis são as montanhas como ela,
que nela se obscurecem os amores longínquos,
e um bom e nobre amigo meu (e das estrelas)
a nomeia num tremor de cabelos e mãos.

Hoje em Eça de Queiroz sem cuidar a descubro,
seu segredo se evade, sua doçura me obceca
como uma mariposa de estranho e fino corpo
sempre longe - tão longe! - de minhas redes tranquilas.

Saudade... Oiça, vizinho, sabe o significado
desta palavra branca que se evade como um peixe?
Não... e me treme na boca seu tremor delicado...
Saudade...

Pablo Neruda, in "Crepusculário"

caminhando...

Sou apenas um caminhante
Que perdeu o medo de se perder
Estou certo de que sou imperfeito
Podem chamar-me louco
Podem gozar das minhas ideias
Não importa!
O que importa é que sou um caminhante
Que vende sonhos aos transeuntes
Não tenho bússola nem agenda
Não tenho nada, mas tenho tudo
Sou apenas um caminhante
À procura de si mesmo.

Augusto Cury – O Vendedor de Sonhos

Sunday, March 20, 2011

Poesia popular ou erudita?

O conceito de Nação
crioula ou outra qualquer
Cria no povo a ilusão
de paternal protecção
sem a questionar sequer

E este tempo global
Sem limites ou fronteiras
Torna a existência infernal
Num imenso carnaval
fruto de muitas asneiras

Mas nem tudo está perdido
Neste dito Mundo Novo
Se agirmos com sentido
Com um plano bem urdido
Daremos um rumo ao Povo

F. Vale

A lâmpada de Aladino

O título deste blog é um livro de Luis Sepúlveda que comprei há uns dias. Trata-se de um livro de contos, ao estilo próprio do autor, do qual deixo aqui algumas das partes que mais gostei.


“Na Amazónia aprendi que o furacão se pressente na pele e nos ossos.
-“…escrever, por exemplo, a noite está estrelada e tiritam, azuis, os astros lá ao longe”…
O furacão instalou-se com fúria sob a pele e entre os meus ossos.
Os olhos dela fixos nos meus pareciam uma segunda leitura dos versos de Neruda. Uma leitura de mulher: não ouvia o que eu dizia, mas o que sentia”
-“…O vento da noite gira à volta do céu e canta”…

(...)

“- As mãos são a única parte do corpo que não mente. Calor, suor, tremor e força. Essa é a linguagem das mãos – disse sem afastar os olhos das aves.
Abri-lhe os dedos e fi-los entrelaçarem-se nos meus. Senti o seu calor, suor, tremor e força.”

Conto “A ILHA”


"Dizem que era um libanês de barba cerrada e preta, que apareceu um dia carregando um misterioso fardo do qual ninguém podia aproximar-se e muito menos tocar, e um barril de azougue.
“Comportas-te como um mágico e não passas de um fabricante de espelhos”, disse-lhe alguém ao descobrir que o embrulho continha lâminas de vidro protegidas por jornais velhos.
“Sim, mas nos meus espelhos vê-se a parte boa das pessoas”, respondeu o libanês."

Conto "Hotel Z"

“Conversaram, lembraram-se de muitas coisas bonitas e esqueceram outras que mereciam ser esquecidas, porque a vida é assim. (…) O velho e o cão iam contentes, porque a vida é assim. (…) E, uma vez mais, naquela cabana de troncos trazidos de longuinquas cordilheiras se acendia a pequena chama do candeeiro da fortuna, porque a vida é assim.”

Conto “A CHAMA OBSTINADA DA SORTE”


E das músicas que inspiraram este post:
http://www.youtube.com/watch?v=g81NXjYmmHM - Moto Boy "Ride my wild heart"
http://www.youtube.com/watch?v=bjjc59FgUpg - Cinematic Orchestra – "To build a home"

Feliz dia do pai

Para o meu, a escolha foi fácil, porque não podería ser outra: o último livro de José Saramago - "As intermitências da morte", acompanhado de uma dedicatória, também ela algo intemitente.

19.03.11
Sobre a morte não sabemos nada. Ou muito pouco. Apenas que é o fim da existência física.
Sobre a vida…temos o poder e a responsabilidade solitária de decidir o que fazer com ela. É essa liberdade de pensamento (ou “livre arbítrio”, como lhe têm chamado alguns filósofos…) que nos difere uns dos outros e dos ditos animais irracionais.
Porque a vida é muito mais “como a vemos” do que a realidade em si própria, então porque é que não escolhemos sempre “ver a vida feliz” e nos deixamos de intermitências?...


P.S: Saramago sempre surpreendente nas dedicatórias dos livros a Pilar (ser-se simples e genial, até parece fácil...),curtíssimas, mas de uma intensidade arrebatadora:
"A Pilar, como se dissesse água"
"A Pilar, minha casa"
"A Pilar, os dias todos"

Sunday, March 13, 2011

O livre arbítreo

Um homem é dotado de livre arbítrio e de três maneiras: em primeiro lugar, era livre quando quis esta vida; agora não pode evidentemente rescindi-la, pois ele não é o que a queria outrora, excepto na medida em que completa a sua vontade de outrora, vivendo.
Em segundo lugar, é livre pelo facto de poder escolher o caminho desta vida e a maneira de o percorrer.
Em terceiro lugar, é livre pelo facto de, na qualidade daquele que vier a ser de novo um dia, ter a vontade de se deixar ir, custe o que custar, através da vida e de chegar assim a ele próprio, e isso por um caminho que pode sem dúvida escolher, mas que, em todo o caso, forma um labirinto tão complicado que toca nos menores recantos desta vida.

Franz Kafka, in "Meditações"

BANDA SONORA DESTE POST: Porstishead - ROADS
http://www.youtube.com/watch?v=Vg1jyL3cr60

Sunday, March 6, 2011

Das despedidas...

As despedidas são sempre difíceis.

Eu não gosto de dizer adeus, prefiro dizer até qualquer dia…
Porque mesmo quando sabemos que não vamos ver/ter mais essa(s) pessoa(s), o sentimento que fica é mais reconfortante…
Não que eu seja avessa às despedidas, acho que algumas são mesmo necessárias e inevitáveis. São, muitas vezes,o que nos empurra mais para a frente!

Hoje, ao rebuscar os meus arquivos pessoais (acho que já tinha dito aqui o quanto eu não gosto dos meus Domingos…), encontrei as quadras que os meus ex-colegas me fizerem quando deixei o meu primeiro emprego, em 2005, ao fim de 6 anos.

Não, as quadras não são brilhantes, mas o valor que têm (para mim, naturalmente!) está muito para além da métrica perfeita ou do valor literário.

Abaixo alguns excertos.

(…)
É com tranças no olhar
E muita cor no sorriso
Que a Emília nos vai deixar
Ao encontro do seu paraíso

O seu toque de bom senso
E equilíbrio quanto baste
Reúne em nós um consenso
Que não há partida que desgaste

Deixa-nos sorrisos contidos
E um olhar paciente
Mas também dores nos ouvidos
De uma gargalhada estridente

(…)
Para a divulgação do Faísca
Trabalhou com tal afinco
Que hoje não há quem resista
A chamar-lhe Tenaz de 25

Foram muitas as viagens
E as horas de avião…
Foi preciso ter coragem
P’ra ouvir tanta reclamação

(…)

No coração, talvez...

No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis

Les Misérables

Toda a gente há-de ter notado o gosto que têm os gatos de parar e andar a passear entre os dois batentes de uma porta entreaberta. Quem há aí que não tenha dito a algum gato: «Vamos! Entras ou não entras?»
Do mesmo modo, há homens que num incidente entreaberto diante deles, têm tendência para ficar indecisos entre duas resoluções, com o risco de serem esmagados, se o destino fecha repentinamente a aventura. Os prudentes em demasia, apesar de gatos ou porque são gatos, correm algumas vezes maior perigo do que os audaciosos.

Victor Hugo, in 'Os Miseráveis'